Dicionário de Palavras Subterrâneas – Camila Prando

R$25,00

 

Sobre o Livro

A narrativa do Dicionário se distancia do lugar-comum ao se abrir a diversas possibilidades e levar a diversas leituras possíveis, uma delas é a de uma ficção breve e radical, que brinca com os limites da própria narração como se brincasse com as ideias preestabelecidas do que pode ou não ser a Literatura, cujo corpo não pode ser confundido com o sexo, apesar de passar por este. No seu texto, o corpo oculto da jovem que aparece em determinado fragmento é também o corpo da Linguagem, da sintaxe narrativa que está enfeixada e que joga com o coração e o ritmo do corpo das palavras, numeradas e deslocadas, aparentemente aleatórias no algoritmo controlado, numa álgebra poética que as relaciona com fragmentos de internet e textos informais (apócrifos por natureza), textos que experimentam a liberdade de dizer não apenas o que dizem, mas que permitem vislumbrar o segredo, o oculto e até o mistério. Para ler o livro, imprimi o texto e depois consultei em separado as fotos que o acompanham e que configuram parte importante da narrativa subterrânea do Dicionário. Há nelas uma parte dormida da narrativa que não está escrita e que também é parte instigante e fundamental desta espécie de romance ou novela-rio que você oferece.

Erivelto Carvalho

Sobre a autora

Camila Prando nasceu em Telêmaco Borba, Paraná, em 1978. Passou por Curitiba, Florianópolis, e mora há 8 anos em Brasília. Nesta caminhada foi marcada pela geografia afetiva das ruas do interior. E cresceu dando-se ao prazer de viver no interior das cidades grandes. Este é seu primeiro livro ficcional, além do livro infantil “O presente da Olivia”, que será publicado em breve. Em “Dicionário de Palavras Subterrâneas”, Camila ficciona memórias de meninas que se desdobram em palavras e continuam à procura.

 

I.
Sin.ta.xe

(…) Era uma aula de sintaxe. Verbo transitivo direto. Verbo transitivo indireto. Sujeito. Objeto. Objeto. Sujeito. Tudo se embaralhava numa equação diferente do zero. Tinha medo daquele corpo sem número. Por muito tempo imaginei que não haveria medo – nem frio – se obedecesse ao ritmo das batidas na porta. O custo zero era um corpo morto.

II.
No.tur.no

(…) Ela despertava à espera de alguma voz que a chamasse. Aos poucos as pálpebras pesavam como guilhotina. Dormia comprimida pelo peito alargado que queria sair para fora do corpo. Aquele peito despertador. A cada meia hora ela gritava do fundo da noite, o peito já não estava mais ali. Ela se espalhava no quarto, percorria a cadeira no canto da parede, entre as caixas de cartas, no meio das roupas acumuladas, tateava o chão, a coberta caída ao lado da cama, o armário cheirando a adolescência. Ela passava ali mais de hora à procura do peito que se desabrigara dela e se escondera em algum canto do quarto. Mais adiante, ele não foi. A porta estava fechada. Só podia estar ali, ao seu redor, tomando-lhe o tempo do sono, zombando da menina sem peito. Foi no meio das roupas sujas em cima da poltrona, numa camisa que ela um dia ganhou num concurso de inteligências, que o maldito se escondera. Quando ela o pressentiu, pôs suave a palma da mão sobre a camisa. Sentia o quente do peito, incandescente e expandido, batendo à espreita. Era sua caça da madrugada. Quando já não tinha mais saída, o dedo indicador e o polegar miúdos de menina grande pinçaram o peito num só golpe. Pegajoso, molhava a mão da menina. Vermelho, continha uma súbita explosão. A menina, prestes a lançar com asco aquele pedaço de carne para longe, lembrou que não tinha peito. E o recolocou no lugar, como quem segura um pássaro em pavor. Dormiria com ele, como num casamento, a atormentá-la noite adentro.

III.
Rio

(…) Ali a menina estava à margem do rio. Tinha a chance, talvez a última chance, de não se confundir com ele. De ser feita de outra matéria menos opaca e mais navegável. Parece até que ela se agarrou nesta, talvez, última chance. Virou as costas pro rio naquela tarde quente e úmida, com o barulho das rodas dos carros no asfalto. Sem retorno. Antes imagino que tenha se sentado naquele mato, deixado o sol esquentar sua pele, tentado escutar o som do rio abafado pela velocidade dos carros. Quem sabe, se escutasse algo, descobriria as vozes dos doentes da cidade, submergindo na escuridão de dentro do rio. Não sei mesmo se foram as vozes em afogamento, se foi a dureza do asfalto ou a umidade daquele momento que fez a menina voltar para casa e se jogar, tarde demais, sobre um corpo miúdo de mãe morrendo. Era uma menina grande pra uma mãe em despedida.Não havia mais tempo pra colocar sobre a mãe a coberta nas noites de pesadelo. Era tarde pra abrir a porta nas tardes de cortinas fechadas e recuperar algum beijo. O tempo já era futuro. Já tinha aquele furo de uma mãe morta. (…)

A postagem:

As entregas vão acontecer a partir do dia 05/10.

Disponibilidade: 15 em estoque

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